quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

ILUSÃO DE ÓTICA - PÉRCIA

Era uma briga de vizinho antigo
Por causa de um pé de limão
Que ficava dividindo o muro

Coisa de bobo,
Num pé de vento,
Tirou amizade,
Virou inimigo
O que tinha sido amigo

E um bocado de gente,
Trincando os dentes,
Abriu os ouvidos,
No meio da noite

Pra ver se o sangue que ia correr,
Era vermelho ou verde.

Num dedo de prosa,
A coisa espalhou,
A vila inteira,
De braço dado

Fez aquilo o programa da noite,
Largando panela,
Largando novela,
Com o filho no colo, fizeram uma roda!

Pra ver o mulato,
Cabelo grisalho,
Sem nó na língua,
Machado na mão
E o pé de limão

Estremecido pensava,
"Será que no fim, vão me matar?"

O outro homem,
Era velho também

Mascava um pedaço de fumo,
Nojento e seboso,
Cuspido aos poucos,

Na mesma hora que arrastava o pé esquerdo,
Como um boi de arena

Pra mostrar macheza e valentia
Pra platéia,
Disfarçava o stress com uma mão no quadril
E outra no machado

Culpando o muro,
Culpando a arvore,
Culpando o vizinho,
Sem que ninguém entendesse afinal

Porque é que tudo aquilo tinha começado,
Ou melhor,

Porque estava acabando daquele jeito,
E toda vez que se falava "acabando”
Quem estremecia de novo

Era o coitado do pé de limão,
Que aflito,
De vez em quando derramava uma folha

Para ilustrar sua aflição.
Mas os dois velhos não desistiam.

Negocio era cortar
Aquele motivo de inimizade,
Porque os limões insistiam em frutificar
Só de um lado

[Ah! Era por isto, afinal!]

Que motivo mais bobo,
Dividissem então a colheita,
Metade pra cada um, mas não.

Toda vez que dava aquele horror de limão,
Eles caíam no chão, apodreciam, até brotavam!

E nenhum dos dois usava nenhum limão,
Porque entendia
Que coisa do outro não prestava

E o negocio só tinha uma solução:
"Cortar o maldito"

Mas aqueles machados na mão,
Não pareciam querer cortar o pé de limão

Pareciam querer
Dar fim é nos vizinhos.

Mas de repente aconteceu
Uma coisa terrível...
O pé de limão estremeceu tanto
De medo e de pavor

Que conseguiu
Produzir um movimento tão brusco,
Tão vivo com imagem
E [pasmem]:
-com som...

Foi uma balburdia,
Um escândalo,
Um fenômeno,

Um sei lá o que

A multidão se esparramou
Como um saco de limão numa ladeira

Aquilo foi
Rolando criança por cima de mãe,
Bicicleta de tropeço,
Postes fora de lugar,
Trombadas com ninguém,

Tombos variados,
Chinelos que ficaram dos pés que correram,
Até dinheiro derrubaram,
Perderam...

O susto muito grande.
O pé de limão,
Suplicou com uma voz
Que só os pés de limões tem:

¨-Páááááááááááááááááááááááááááára!!!!!
-Eu não quero morrer!!!!!!

Dos dois vizinhos,
Não sobrou senão o xixi no chão,
Os machados caídos,
O rosto em choque

Um morreu de enfarte,
O mulato

O outro, engasgado,
Com a cusparada do fumo
Que mascava
Que não deu tempo pra cuspir
E no susto

Engoliu de súbito,
Engasgou,
Mandou o chiclete de fumo pro pulmão,
Fechando o fluxo
De entra e sai de ar

E foi-se também.

Aproveitando a pouca luz da noite
E vendo
Que não havia mais ninguém por ali

Desceu da arvore,
Um menino pretinho

Que salvou a vida
Do pé de limão,
Com todas as suas flores,
Folhas,
Mandorovás,
E principalmente:

-limões...

Essa poesia pertence a minha amiga Pércia e agradeço a ela por me deixar colocar no blog.

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