quinta-feira, 15 de abril de 2010

LIVRE ARBITRIO



Os cristãos acreditam, então, que um poder do mal se tornou por ora o Príncipe deste mundo. Isto suscita problemas, naturalmente. Será que este estado de coisas está de acordo com a vontade de Deus, ou não?

Se está, podemos dizer que Ele é um Deus muito estranho; se não, como pode acontecer algo contra a vontade de um ser que tem poder absoluto? Contudo, todo aquele já exerceu autoridade sabe que uma coisa pode estar de acordo com a sua vontade num certo sentido, e não estar em outro. Achamos que é muito sensato que uma mãe diga a seus filhos: “Não vou ficar vigiando e obrigando que arrumem o quarto todas as noites. Vocês devem aprender por si mesmos a deixá-lo arrumado”. Uma noite ela vai lá e vê o ursinho, as tintas e o livro de francês no chão.

Isso é contra a sua vontade. Ela preferia que as crianças fossem ordeiras. Mas, por outro lado, foi por sua vontade que as crianças ficaram com liberdade para serem desordeiras. O mesmo acontece em qualquer regimento, sindicato ou escola. Basta que uma coisa se torne voluntária para que a metade das pessoas não a faça. Assim, acontece de forma contrária à vontade de alguém; mas essa mesma vontade foi que permitiu que isso acontecesse. É provável que o mesmo tenha ocorrido no universo.

Deus criou seres com o livre-arbítrio. Isso quer dizer que as criaturas podem agir bem ou mal. Alguns julgam que podem imaginar uma criatura que fosse livre, mas que não tivesse possibilidade de agir mal; eu não posso. Se uma coisa é livre para ser boa, também é livre para ser má. E o livre arbítrio foi o que tornou possível o mal. Por que Deus deu então o livre-arbítrio?

Porque o livre arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é também a única coisa que faz com que todo amor, bondade e alegria valham a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que trabalhassem como máquinas, não valeria a pena ser criado. A felicidade que Deus destinou a suas criaturas superiores é a felicidade de serem livres e voluntariamente unidas com ele e entre si mesmas, num êxtase de amor e prazer em relação ao qual o amor mais arrebatador neste mundo, entre um homem e uma mulher, não passa de uma coisa insípida. Mas para que isso aconteça às criaturas têm de ser livres.

C. S. Lewis no livro Cristianismo Puro e Simples.

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