sábado, 17 de abril de 2010

O CASAMENTO CRISTÃO


A idéia cristã de casamento se baseia nas palavras de Cristo de que o homem e a mulher devem ser considerados um único organismo – tal é o sentido que as palavras “uma só carne” teriam numa língua moderna.


Os cristãos acreditam que, quando disse isso, ele não estava expressando um sentimento, mas afirmando um fato – da mesma forma que expressa um fato quem diz que o trinco e a chave são um único mecanismo, ou que o violino e o arco formam um único instrumento musical. O inventor da máquina humana queria nos dizer que as duas metades desta, o macho e a fêmea, foram feitas para combinar-se aos pares, não simplesmente na esfera sexual, mas em todas as esferas.


A atitude cristã não toma como errada a existência do prazer no sexo, como não considera errado o prazer que temos quando nos alimentamos. O erro está em querer isolar esse prazer e tentar buscá-lo por si mesmo, da mesma maneira que não se deve buscar o prazer do paladar sem engolir e digerir a comida, apenas mastigando-a e cuspindo-a.


Em conseqüência, o cristianismo ensina que o casamento deve durar a vida toda. Neste ponto, é claro que existem diferenças entre as diversas Igrejas: algumas não admitem o divórcio em hipótese alguma; outras o admitem em relutância em casos específicos.


O que todas repudiam é a visão moderna de que o divórcio é simplesmente um reajustamento de parceiros, a ser feito sempre que as pessoas não se sentem mais apaixonadas uma pela outra, ou quando uma delas se apaixona por outra pessoa.


Todos os que se casaram na igreja fizeram a promessa pública e solene de permanecerem unidos até a morte. O dever de cumprir essa promessa não tem nenhum vínculo especial com a moralidade sexual: ela está em pé de igualdade com qualquer outra promessa.


Certas pessoas podem retrucar dizendo que consideram a promessa feita na igreja uma simples formalidade, a qual nunca tencionaram cumprir. A quem, então, pretendiam enganar quando fizeram tal promessa?


A Deus? Isso não é nada sensato. A si mesmas? Isso não é muito mais sensato que a alternativa anterior. Enganar a noiva, o noivo, os sogros? Isso é traição. É mais freqüente, na minha opinião, o casal [ou um deles] querer enganar o público.


Quer a respeitabilidade que vem do casamento sem ter de pagar por isso: ou seja, são impostores, são enganadores. Se essas pessoas são desonestas e não se preocupam com isso, não tenho nada a lhes dizer.


Quem poderia adverti-las a seguir o nobre, mas penoso, dever da castidade, se elas não pretendem nem mesmo ser honestas?


Caso recobrassem a razão, a própria promessa feita as constrangeria. Se as pessoas não acreditam em casamento para sempre, talvez seja melhor viver juntas sem estarem casadas que fazer uma promessa que não pretendem cumprir. É claro que, ao viver juntas sem estarem unidas pelo matrimônio, elas são culpadas de fornicação [sob o ponto de vista cristão]. Uma falta, porém, não conserta a outra: a falta de castidade não é minorada quando a ela se acrescenta o perjúrio.


As pessoas tiram dos livros a idéia de que, se você casou com a pessoa certa, viverá “apaixonado” para sempre. Como resultado, quando se dão conta de que não é isso o que ocorre, chegam à conclusão de que cometeram um erro, o que lhes daria o direito de mudar – não percebem que, da mesma forma que a antiga paixão se desvaneceu, a nova também se desvanecerá. Nesse departamento da vida, como em qualquer outro, a excitação é própria do início e não dura para sempre.


A palpitação de conhecer um lugar novo se esvai quando se passa a morar lá. Além disso, [e mal consigo lhe dizer o quanto isto é importante], são exatamente as pessoas dispostas a sofrer a perda do frêmito inicial e a acatar esse interesse mais sóbrio que têm maior probabilidade de encontrar novas emoções em campos diferentes.


Segundo me parece, essa é uma pequena parte do que Cristo quis dizer quando afirmou que nada pode viver realmente sem antes morrer. Simplesmente não vale a pena tentar manter viva uma sensação forte e fugaz: é a pior coisa que podemos fazer. Deixe o frisson ir embora – deixe-o morrer. Se você passar por esse período de morte e penetrar na felicidade mais discreta que o segue, passará a viver num mundo que a todo tempo lhe dará novas emoções.


Mas, se fizer das emoções fortes a sua dieta diária e tentar prolongá-las artificialmente, elas vão se tornar cada vez mais fracas, cada vez mais raras, até você virar um velho entediado e desiludido para o resto da vida.


É por serem tão poucas as pessoas que entendem isso que encontramos tantos homens e mulheres de meia-idade lamentando a juventude perdida, na idade mesma em que novos horizontes deveriam descortinar-se e novas portas deveriam abrir-se.


Cristianismo puro e simples

C.S.Lewis


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