terça-feira, 27 de abril de 2010

O PERDÃO


Acredito que haja uma virtude expressa na regra cristã menos popular “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”. Porque, na moral cristã, “amar o próximo” inclui “amar o inimigo”, o que nos impinge o odioso dever de perdoar nossos inimigos.

Neste livro, não quero lhe dizer o que eu faria – aliás, o que posso fazer é bem pouco –, mas sim o que é o cristianismo. Não fui eu que o inventei. E ali, bem no meio dele, encontro as palavras: “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores”.

Não há a menor insinuação de que exista outra maneira de obtermos perdão. Está perfeitamente claro que, se não perdoarmos, não seremos perdoados. Não há alternativa. O que podemos fazer?

Vai ser difícil de qualquer modo, mas creio que existam duas coisas que podemos fazer para facilitar um pouco as coisas. Quando vamos estudar matemática, não começamos pelo cálculo integral, mas pela simples aritmética. Da mesma maneira, se realmente queremos [e tudo depende da vontade real] aprender a perdoar, o melhor talvez seja começar com algo mais fácil.

Você pode começar por perdoar seu marido ou esposa, seus pais ou filhos ou o funcionário público mais próximo por tudo o que fizeram e disseram na semana passada. Em segundo lugar, você deve tentar entender exatamente o que significa amar o próximo como a si mesmo. Tenho de amá-lo como amo a mim mesmo. Bem, como é exatamente esse amor a mim mesmo?

Agora que começo a pensar no assunto, vejo que não nutro exatamente um grande afeto nem tenho especial predileção pela minha esposa, e nem sempre gosto da minha própria companhia. Aparentemente, portanto, “amar o próximo” não significa “ter grande simpatia por ele” nem “considerá-lo um grande sujeito”. Isso já deveria ser evidente, pois não conseguimos gostar de alguém por esforço.

Na verdade, o que acontece é o inverso: não é por considerar-me agradável que amo a mim mesmo; é o meu amor próprio que faz com que eu me considere agradável. Na verdade, o que acontece é o inverso: não é por considerar-me agradável que amo a mim mesmo; é meu amor próprio que faz com que eu me considere agradável. Analogamente, portanto, amar meus inimigos não é o mesmo que considerá-los boas pessoas.

Aliás, pensando no assunto, lembro meus primeiros mestres cristãos já diziam que se devem odiar as ações de um homem mau, mas não odiar o próprio homem; ou, como eles diriam, odiar o pecado, mas não o pecador.

Por muito tempo julguei essa distinção tola e insignificante: como se pode odiar o que um homem faz e não odiá-lo por isso?

Somente anos depois me ocorreu que fora exatamente essa a conduta que eu sempre tivera com uma pessoa em particular: eu mesmo. Por mais que eu abominasse minha covardia, vaidade ou cobiça, continuei amando a mim mesmo.

Nunca tive a menor dificuldade para isso. Na verdade, a razão mesma pela qual detestava tais coisas é que amava o homem que as cometia. Por amar a mim mesmo, sentia profundo pesar por agir assim.

Conseqüentemente, o cristianismo não quer ver reduzida a um átomo a aversão que sentimos pela crueldade e pela deslealdade. Devemos odiá-las. Não devemos desdizer nada do que dissemos a esse respeito.

Porém, devemos odiá-las da mesma forma que odiamos os nossos próprios atos: sentindo pena do homem que as praticou e tendo, na medida do possível, a esperança de que, de alguma forma, em algum tempo e lugar, ele possa ser curado e se tornar novamente um ser humano.

C.S.LEWIS [Cristianismo Puro e Simples]


Um comentário:

BLOG DO PR MATIAS disse...

Muito bom trabalho, vamos trocar banners???