sábado, 2 de maio de 2009

Quem precisa de Deus?

As pessoas que não têm muita profundidade espiritual, por assim dizer, afirmam: “Se eu orar adequadamente, poderei convencer Deus a me tornar rico e bonito”.

Já o verdadeiro fiel diz: "Se eu orar adequadamente, passarei a conhecer Deus de verdade e então ser rico e bonito não terá mais a menor importância para mim”.

A verdadeira religião não nos ensina como fazer amigos fiéis, mas sim como ser um amigo fiel e a nos preocupar em aliviar a solidão alheia, aprendendo a escutar o clamor dos outros em lugar de ficar imaginando por que ninguém escuta os nossos.

Além disso, a verdadeira religião nos ensina que, uma vez que tenhamos encontrado Deus, podemos enviuvar, perder o emprego ou qualquer outra situação potencialmente difícil, mas a proximidade de Deus irá nos proteger e nos livrar da sensação de abandono e do desespero.

Esta talvez seja a diferença mais significativa entre mim e um ateu moralmente convicto. Ambos somos boas pessoas, honestos, dedicados e generosos. Ambos trabalhamos para a paz no mundo e a harmonia racial. Também lutamos igualmente para tornar nossas comunidades lugares melhores para viver.

A meu ver, a diferença aparece quando ficamos exaustos de tanto ajudar e socorrer ao próximo, quando lutamos contra os demônios da injustiça e o fanatismo durante anos, e ainda assim eles continuam tão fortes e intensos quanto o foram no início de nossa luta. O que fazemos então? Para onde nos voltar em busca da força para continuar trabalhando e lutando, quando estamos a ponto de desistir? Como podemos nos doar ao próximo e a sua causa quando nos doamos tanto, e durante tanto tempo, que nada nos sobrou para doar?

O ateu, por mais que seja uma excelente pessoa, um modelo de cidadão, acredita que o amor e a força vêm de dentro de si mesmo. Assim, ele tenta buscá-la em seu interior e pode muito bem descobrir que não existe mais nada ali para doar, o poço secou. Eu, por minha vez, tenho a vantagem de acreditar em um Deus que é maior e está muito além de mim, um Deus que renova as minhas forças quando recorro a Ele, que restaura minha capacidade de amar, de trabalhar, que me dá forças para que eu possa seguir em frente e partilhar esta força com os outros.

O profeta Jeremias coloca isso da seguinte maneira: “Maldito o homem que confia no homem, faz da carne a sua força e aparta o seu coração do Senhor. Ele será como os lugares secos do deserto... a terra salgada e inabitável. Bendito é o homem que confia no Senhor. Porque ele será como a árvore plantada junto às águas, que estende suas raízes para o ribeirão e não receia quando vem o calor, pois suas folhas estão sempre verdes” [Jeremias 17.5-7].

Então, qual a diferença entre uma pessoa que confia apenas em si mesma e outra que aprendeu a se voltar para Deus em busca de ajuda?

Não que um fará coisas maldosas e a outra, apenas coisas boas. Mesmo o ateu mais convicto pode ser uma pessoa de incrível valor. A diferença é que o ateu é como “um arbusto no deserto”, pois se buscar forças apenas em si mesmo quando esgotarem todas as suas reservas ele corre o risco de secar. O homem e a mulher que acreditam em Deus, no entanto, são como árvores plantadas ao longo de um riacho, o que eles partilham com o mundo é alimentado por uma fonte inesgotável muito além de si mesmos, por isso nunca secarão.

Haverá sempre um tempo em nossas vidas em que precisaremos de ajuda, porque não seremos capazes de fazer por nós mesmos o que mais precisamos que seja feito. Quando estamos financeiramente falidos, não podemos emprestar dinheiro a nós mesmos para resolver os nossos problemas; precisamos de ajuda externa. Da mesma forma, quando nos sentimos culpados e inadequados, não podemos nos perdoar. O perdão precisa vir de uma instância superior. E quando nos sentimos exaustos em função de nossos esforços para sermos bons, caridosos, e de insistirmos em criar um mundo melhor, não podemos renovar nossas próprias forças. Para isso precisamos nos voltar para Deus e pedir que ele as restaure para que possamos prosseguir e correr sem nos sentirmos cansados ou caminhar sem nos sentirmos fatigados.

Será que desejamos medir a utilidade da oração com base no fato de o homem ter conseguido o emprego ou se o marido da mulher que orou se recuperou ou morreu por causa de seus problemas cardíacos?

Tenho amigos religiosos que gostam de dizer: “Deus sempre ouve as preces, mas algumas vezes a resposta é não”. Confesso que não gosto deste cenário. Ele não apenas implica que Deus sabe que é bom para nós, melhor do que nós mesmos, como também que não devemos ficar tristes quando as coisas não dão certo, porque foi Deus quem quis que fosse assim. Esta visão nos leva a acreditar que Deus controlaria todas as coisas em função de nosso bem-estar, e que Ele pode nos dar saúde e prosperidade se acharmos as palavras certas e a intensidade ideal de fervor para convencê-lo a atender nossos pedidos.

Alguns dizem que Deus não atende a nossas preces porque as preces das pessoas são mutuamente excludentes. Ou seja, fazendeiros oram para chover e famílias que marcaram um pic-nic, por exemplo, oram pedindo um dia ensolarado. Um grupo de torcedores ora para o time da casa ganhar, enquanto outro pede a vitória dos visitantes. Deus poderia atender a um conjunto de preces ao negar outro. Eu, por minha vez, prefiro acreditar que a chuva seja causada por fatores meteorológicos e que os jogos e disputas esportivas são vencidos graças a uma combinação de habilidade e sorte, sem qualquer interferência de Deus.

Será que isso significa que aquele homem que desejava um trabalho estava perdendo seu tempo quando entrou na igreja e orou e a mulher quando pediu pela recuperação do marido na capela do hospital?

Creio que não. Acredito que eles ganhem duas coisas com as suas preces, mesmo quando não recebem exatamente o que pediram. Primeiro, ganham a reafirmação de que não estão sozinhos. Deus está com eles em sua fé e incertezas, ajudando a tornar o futuro menos assustador. Os homens e mulheres estão buscando a Deus em orações em parte porque sentem que perderam o controle sobre as suas próprias vidas. Eles se sentem sozinhos e abandonados.

Mas como Deus poderia ouvir suas preces?

Ele poderia dizer à mulher que foi até a capela do hospital: “Não posso garantir que seu marido sobreviverá a esta crise. Se eu pudesse, ninguém jamais morreria porque todo paciente sempre tem alguém que ora fervorosamente por sua recuperação. Porém, posso lhe garantir que você não está tão sozinha como imagina ou sente estar. Os amigos estão a seu lado, orando e se oferecendo para apoiá-la. Saber que tantas pessoas estão pedindo por seu restabelecimento pode ajudar seu marido. E, quando se sentir sozinha e assustada. Saiba que sempre poderá falar comigo, um Deus que defende a vida e a cura”.

Já para o homem que foi a uma entrevista de emprego e parou na igreja para orar. Ele diria: “Ouvi sua prece, seus temores e esperanças. Não posso garantir que você ficará com o emprego. Esta não é minha função. Mas posso lhe dizer que me preocupo e cuido de todos os meus filhos, não importa o quão pobre ou rico eles sejam ou como se saiam no mundo dos negócios. Minha maneira de medir o sucesso não tem nada a ver com o salário que a pessoa recebe, com o tamanho de seu escritório, ou com quão impressionante é a descrição do cargo que ocupa. E os membros de sua família, as pessoas mais importantes para você, também pensam da mesma maneira. Para mim, uma pessoa é bem-sucedida quando aprende a amar, a partilhar e a dominar seus impulsos. Não posso lhe dar um trabalho, mas posso ajudá-lo a desenvolver um senso de humildade se você conseguir este trabalho, e o dom da tenacidade e do respeito próprio se você não conseguir, mais a reafirmação de que estou a seu lado e de que o tenho em grande consideração independentemente de qualquer acontecimento”.

Pedir a Deus por uma dessas coisas não é como encomendar itens de uma espécie de catálogo divino de bênçãos, mas superar a ilusão de auto-suficiência e confessar sua dependência.

Como Martin Bulber salienta em seu comentário sobre o Salmo 73, “Deus responde aos questionamentos do salmista não ao explicar a aparente prosperidade dos ímpios, mas ao lhe dar um coração puro e mãos limpas. Ainda existe maldade no mundo e nossa obrigação é combater, expor e destronar aqueles que são maus e traiçoeiros. Assim que tivermos experimentado a presença de Deus, nunca mais invejaremos os ímpios”.

Então, o que podemos obter com nossas orações se elas não nos ajudam a ganhar na loteria ou curar uma doença grave? Bem, ela nos permite estar na presença de Deus, e isso por si só pode conferir uma nova perspectiva a nossas derrotas e vitórias.

Se vivermos cada minuto de nossas vidas neste mundo secular, acabaremos por definir sucesso como a felicidade em termos seculares. O mundo será um campo de batalha, uma luta constante para avançar e ganhar vantagens, o que nos divide em duas categorias: vencedores e perdedores. Se mesmo assim formos capazes de orar, nossas preces serão para conseguir a vitória, e pediremos: “Ó Deus, conceda-me um lugar entre os vencedores!”.

Mas se aprendermos a arte de estar na presença de Deus, passaremos a conhecer o sucesso em termos mais humanos. Nossas preces não serão mais: “Senhor, dê-me isso porque mereço ou preciso” [como a prece de uma criança invejosa competindo pelo amor paternal]. Em vez disso, nossa prece será como a do autor do Salmo 73, que nada pede, mas agradece humildemente pelo que recebeu:

“Mais, para mim, bom é aproximar-me de Deus”.

Lições extraídas do livro – Quem Precisa de Deus? – Harold Kushner.

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